Ressocialização: Peça teatral Bizarrus retorna aos palcos de Porto Velho

Entre as cenas mais impactantes do espetáculo Bizarrus, tanto para o público quanto para os atores, destaca-se a "Cena da Morte".

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Cena do Tango no presídio. Foto: Grupo Bizarrus

Essa é uma das inúmeras histórias de apenados resgatados pelo projeto Bizarrus, um espetáculo teatral que explora de forma intensa e crua as trajetórias de indivíduos que foram socialmente excluídos e acabaram entrando na criminalidade. Organizado pela Associação Cultural e de Desenvolvimento do Apenado e Egresso (Acuda), Bizarrus tem transformado vidas e tocado corações há quase três décadas, mostrando que a arte pode curar e libertar, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras.

Com uma nova roupagem, Bizarrus retorna aos palcos abordando de maneira realista os debates sociais. A peça aborda a inserção de pessoas marginalizadas na criminalidade, expondo a realidade cruel daqueles que, excluídos acabaram encarcerados. Esta nova versão do espetáculo promove uma reflexão profunda sobre inclusão e justiça social, destacando as duras verdades enfrentadas por aqueles que vivem à margem da sociedade.

Resgate Social de Pessoas em Reclusão

Bizarrus é composto por relatos reais dos apenados, trazendo à tona suas dores, arrependimentos e esperanças de um futuro melhor. A peça revela a brutalidade e as dificuldades enfrentadas desde a infância até a vida adulta. “Minha mãe obrigava eu e meu irmão a buscar dinheiro de qualquer forma para suprir os seus vícios. E quando não conseguíamos trazer nenhuma moeda, éramos castigados de forma cruel e violenta.”

Essas experiências traumáticas e a falta de apoio familiar muitas vezes levam esses indivíduos a adotarem caminhos de ódio e ressentimento.

O Trabalho Emocional e Terapêutico

Os ensaios do Bizarrus vão além da prática teatral, abordando as travas emocionais dos participantes. Os atores, utilizando suas histórias reais, confrontam e expressam traumas pessoais, resultando em momentos intensamente emocionais. Durante os ensaios, os apenados enfrentam suas dores e transformam suas experiências de vida em arte, proporcionando um processo terapêutico que facilita o autoconhecimento e a cura emocional.

A peça traz à luz as complexas questões sociais e emocionais enfrentadas pelos apenados, incluindo a introspecção dos reeducandos que revelam seus próprios desafios e sonhos: “A vida pra mim também não foi fácil. Muito cedo eu tive que aprender a me defender. Quer conhecer o ser humano? Concedam a ele a cadeira do poder nem que seja por um dia.”

O projeto também busca refletir a situação atual na prisão e as semelhanças entre o encarceramento físico e emocional, destacando a falta de empatia e como a exclusão social está presente em toda a sociedade: “Vivemos cercados de muros altos, alambrados, cercas elétricas. E vocês também? Presos em seus condomínios. Vivendo em bolhas. Presos em redes sociais. O que temos em comum? Quem são os nossos carcereiros?”

Os relatos reais transformados em cenas impactantes, refletem a efemeridade da sensação de poder no submundo: “A adrenalina da vida bandida traz uma sensação de poder e domínio, mas essa sensação é apenas um momento passageiro e aqui estou eu preso outra vez.”

A proposta de rasgar o véu da falta de responsabilidade social de todos revela escancaradamente relados diversos, desde abandonos afetivos, falta de oportunidades até um arrependimento de uma rebeldia juvenil, que leva a reflexão sobre a difícil reconquista da confiança. “De uma das piores formas eu aprendi que reconquistar é mais difícil que conquistar. A minha grande batalha hoje é buscar a confiança do meu pai.”

A Intensidade Emocional e Visual do Espetáculo Bizarrus

Entre as cenas mais impactantes do espetáculo Bizarrus, tanto para o público quanto para os atores, destaca-se a “Cena da Morte”. Iniciando com um “ataque à plateia”, a tensão cresce até culminar em um tiro dramático. A cena simboliza a dor da perda, seguido por um cortejo fúnebre representando a transição da vida para a morte. Esta sequência é profundamente emocional, trazendo à tona a realidade brutal enfrentada pelos atores, muitos dos quais viveram situações semelhantes.

Na sequência, a “Cena do Futuro”, que por sua vez, sugere a esperança e renovação, mostrando o poder da arte em tocar e transformar vidas.

O Impacto emocional das histórias reflete a fragilidade social

As apresentações de Bizarrus tem um profundo impacto emocional no público, ao trazer a realidade social viva e estampada no palco. As histórias de vida dos apenados são contadas de maneira autêntica e envolvente, criando uma conexão poderosa com a plateia. Os atores se emocionam, choram e vivem intensamente suas falas, que eles mesmos criam para dar vida e emoção às suas realidades e sonhos de resgate social. O espetáculo já foi apresentado em sete estados brasileiros e na Organização das Nações Unidas (ONU), sempre recebendo reconhecimento pelo seu valor social e cultural.

Desde sua estreia em 1997, Bizarrus permaneceu em cartaz por 16 anos consecutivos, atingindo um público de mais de 150 mil pessoas, incluindo 40 mil estudantes. Após um hiato de sete anos, o projeto foi retomado com uma nova turma, mantendo a mesma proposta de ressocialização por meio da arte. Ao longo dos anos, mais de 700 apenados/atores já participaram do Bizarrus, sob a direção constante de Marcelo Felice.

Histórias de Ressocialização Bem-Sucedidas

Bizarrus não apenas revela os impactos devastadores da criminalidade e do encarceramento, mas também destaca a busca por redenção e cura emocional. O sucesso do projeto pode ser visto nas histórias de pessoas ressocializadas que, hoje, possuem empregos e vidas transformadas. Dois exemplos notáveis são os de Rogério Araújo e Pedro Lima, que, após participarem do Bizarrus, conseguiram se reintegrar à sociedade.

Marcelo Felici orienta atores da peça teatral Bizarrus.

Rogério hoje é diretor na própria Acuda, enquanto Pedro trabalha diretamente com a equipe, ajudando a transformar a vida de novos participantes. Suas trajetórias exemplificam a eficácia do projeto em proporcionar uma segunda chance e um caminho de redenção.

Por três décadas, a peça teatral Bizarrus se tornou uma poderosa manifestação artística que proporciona uma plataforma para os apenados expressarem suas histórias, refletirem sobre suas escolhas e almejarem um futuro onde a cura emocional e o resgate social sejam possíveis. O projeto, realizado pela Acuda, é um exemplo audacioso e impactante de como a arte pode ser uma ferramenta eficaz de ressocialização, iluminando caminhos e transformando vidas, mesmo nas circunstâncias mais sombrias.

Textos e Fotos: Equipe Bizarrus

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